by - novembro 06, 2018


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4 dicas para envelhecer bem (ou cuide-se agora para não resmungar depois)

A boa velhice começa cedo, bem cedo

Faz parte do senso comum dizer que o homem vive seu auge com pelo menos 30, 40 anos. O sujeito já não é mais um moleque que briga contra as espinhas ou um corpo que mal sabe comandar, já apanhou e já ganhou uma ou duas da vida, é experiente o suficiente para não ser afoito ou egoísta demais em outros campos.
Gosto bastante da perspectiva de que as coisas tendem a melhorar, mas volta e meia me pergunto: como isso é possível se, muitas vezes, somos um bando de caras de 20 e poucos anos que já têm até dor nas costas e acham bonito não se cuidar ou dizer que exageramos na noite anterior? Não adianta esperar que o cabelo grisalho funcione por si só (nem que ele vá nos deixar automaticamente com cara de Domingos Montagner ou Richard Gere) ou dar de ombros até a morte chegar.
Não abro mão de comidas gordurosas de quando em quando e sou reticente com musculação a ponto de parecer que tenho alergia, mas se a ideia é aproveitar a vida um bocado, concordo que faz sentido começar a me cuidar agora para não precisar me tratar – com remédios ou na mesa de cirurgia – depois.
Se não há como evitar o envelhecimento natural do corpo, conversei com a geriatra Ana Claudia Quintana Arantes, da Casa do Cuidar, para saber se há como nos prepararmos para envelhecer bem.
“Quando eu terminei a Geriatria, chegavam aqueles pacientes bem idosos, em cadeira de rodas, acompanhados pelos filhos. Todo mundo com aquela cara de velório: ‘não teve jeito, tive que trazer ao geriatra’. Era como se, antes de levar ao padre (para a extrema unção), você levasse ao geriatra. Hoje não. As pessoas vão antes. As pessoas vão se programar para envelhecer. Elas querem se planejar como se o envelhecimento fosse uma grande viagem que elas gostariam de desfrutar, ao invés de ficar sofrendo”.
Não há receita de bolo, mas o papo girou em torno de quatro pontos principais.

1) Aprender, sempre

Do ponto de vista mental e cognitivo, oferecer ao seu cérebro a possibilidade de renovação é algo fundamental.
O sistema nervoso central mantém a capacidade que possui de adaptar o próprio funcionamento e configuração desde que você permaneça ativo e aprenda coisas novas.
Para este fim, tanto faz se a novidade é um idioma, um instrumento ou um trabalho manual, mas não adianta fazer apenas o mesmo ponto de crochê a vida inteira. “Você gosta de dançar? Não adianta dançar só o que você sabe. Aprenda coreografias diferentes”, disse Ana.
O cérebro precisa desse estímulo da renovação, e a renovação vem pelo aprendizado. Lembra de algum avô ou senhorzinho que não abdicou de viajar, conversar ou trabalhar até o fim da vida e parecia ter uma energia infindável? É possível que permanecer em movimento fosse o segredo dele.

2) Meditação

A cada nova experiência que vivemos, nossas redes de neurônios são rearranjadas, as sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis (isso é o resultado do que se chama de plasticidade cerebral, justamente essa capacidade que o sistema nervoso tem se adaptar a novas condições e a estímulos repetidos descritos no item anterior).
Como a meditação é um caminho que nos ajuda a ter mais intimidade com nosso mundo interno, com a mente e nossas emoções, meditar acaba sendo uma das melhores maneiras de fazer essas conexões se potencializarem.
“O cérebro exposto à meditação é um cérebro que possui uma neuroplasticidade maior”, diz Ana. “Se você tiver alguma doença, seu cérebro é capaz de encontrar e te dar argumentos de recuperação muito mais potentes”.
Se você ainda não medita mas se interessa pelo tema, recomendo a leitura do percurso “Para Começar a Meditar”, que reúne alguns dos melhores textos sobre o tema publicados aqui no PapodeHomem.

3) Cuidado com o corpo

Hidekichi Miyazaki, 105 anos e correndo. Começou aos 93.
Não é só a mente que carece de cuidados – a casca também. E aí não me refiro às questões físicas do emagrecer ou a preocupações como não ter ruga, não ficar careca e manter a libido, mas a manter uma alimentação responsável e algum nível de atividade física.
É verdade que quando somos jovens dá até para encontrar até aquela vitamina perdida em meio à porção batata frita, mas com o envelhecimento as coisas mudam de figura. O intestino perde a capacidade de selecionar as coisas de uma maneira tão fina assim, o que prejudica o organismo como um todo. “Se você comer porcaria, você vai produzir neurotransmissor genérico, hormônio genérico. Tudo vai funcionar mais ou menos, mas a matéria prima não é de boa qualidade”, disse Ana Claudia.
Ao mesmo tempo, o cuidado com o corpo não te protege completamente de adoecer. “Um câncer também acontece com as pessoas que fazem tudo direitinho. Só que as pessoas que fazem tudo direitinho tem uma capacidade de transpor a doença muito maior do que aquelas que fazem besteira”.
Um dos passos básicos para manter tudo funcionando corretamente é, acredite ou não, dormir bem.
“Impossível, completamente impossível ter energia e humor se dormirmos aquém do considerado mínimo para nós.
Durma, equilibre e deixe seus hormônios agirem positivamente no seu apetite, na sua saciedade, na sua construção muscular de amanhã. Vá mais cedo para a cama, não coma como um ogro a noite – afinal, ou você digere o boi ou dorme bem–, coloque um pijama cheiroso, troque com frequência seus lençóis, leia, abrace, beije, escolha.
(...)
Perceba o simples. Quando dormimos mais cedo, bem e em quantidade, de manhã fazemos mais xixi, nossa feição fica visivelmente mais leve e, juro, fazemos melhores escolhas alimentares no decorrer do dia”.
Trecho de “Comece a ser saudável dormindo, comendo e bebendo”, de Débora Navarro
Além de autora da casa, a Débora Navarro – que escreveu o texto acima – é educadora física e mestre em Exercício Físico e Saúde, e recorri a ela para saber mais sobre a correlação entre envelhecer bem e cuidar do corpo com atividades físicas e alimentação.
“Cuidar do corpo e se alimentar responsavelmente auxilia em demasia, faz nosso intestino funcionar, nos deixa mais dispostos. Afinal, uma alimentação saudável é mais leve e faz com que a energia dispendida na digestão difícil de uma costeleta de porco seja utilizada para eu ler, caminhar até o supermercado, ir ao baile da terceira idade”, disse.
“Mas também é preciso levar em conta que o conceito de saúde ainda é tratado de forma a culpabilizar o sujeito, sem considerar que nossos espaços públicos, nossos meios de transporte, nossas políticas públicas de saúde também deveriam nos catalisar à promoção de saúde.
A minha opinião é que as pessoas busquem primeiramente o prazer em se cuidar. Que coloque essas práticas no seu limite de qualidade de vida – limite esse construído pela educação que teve, pela casa que mora, pela familia que tem.”
Em termos práticos, esportes como tênis e squash – a bolinha vai a cada hora para um canto e muda de direção de acordo com a posição da raquete, o que demanda resposta rápida e ajuda na plasticidade – ou atividades ao ar livre (como corridas e caminhadas) ajudam bastante.
Essas práticas trabalham mente, o lado social e o exercício físico em si, enquanto a natureza proporciona a oportunidade de relaxar, não ouvir sons fortes, músicas ou pessoas e permite autonomia. “São coisas que nos faltam no dia a dia, na nossa vida é caótica”.

4) Invista na qualidade das suas relações

A Universidade de Harvard fez, ao longo de 75 anos, um estudo batizado “O Estudo do Desenvolvimento Adulto”. A partir de 1938, os pesquisadores acompanharam a vida de 724 homens, ano após ano, estudando temas como trabalho, família, a vida doméstica, a saúde etc.
Surpreendemente, a pesquisa chegou à conclusão que o segredo para envelhecer bem não é sinônimo de alimentação correta, evitar álcool e cigarro ou fazer atividade física: é a qualidade das relações que você desenvolveu ao longo da vida.
Assista ao vídeo do TEDx com Robert Waldinger, o quarto diretor do estudo, para entender melhor.
(6:22)
"Aprendemos três grandes lições sobre as relações. A primeira é que as relações sociais são boas para nós, e que a solidão mata. Acontece que as pessoas que têm mais ligações sociais com a família, com amigos, com a comunidade, são mais felizes, são fisicamente mais saudáveis e vivem mais tempo do que as pessoas que têm menos relações.
A experiência da solidão acaba por ser tóxica.
As pessoas que são mais isoladas dos outros do que gostariam descobrem que são menos felizes, a sua saúde piora mais depressa na meia idade, o seu funcionamento cerebral diminui mais cedo e vivem menos tempo do que as pessoas que não se sentem sozinhas.
O triste é que, a determinada altura, mais de 20% de norte-americanos informam que se sentem sós.
(7:18)
"Sabe-se que podemos sentir-nos sós numa multidão e podemos sentir-nos sós num casamento, portanto, a segunda lição que aprendemos é que não basta o número de amigos que temos, e não se trata de ter ou não uma relação continuada. O que conta é a qualidade das nossas relações íntimas.
Acontece que viver no meio de conflitos é muito prejudicial para a saúde. Os casamentos altamente conflituosos, por exemplo, sem grande afeição, revelam-se muito maus para a saúde, pior talvez do que um divórcio. Viver no meio de relações boas, calorosas é protetor. (...) Quando reunimos tudo o que conhecíamos sobre eles, na idade dos 50 anos, não foram os níveis de colesterol da meia idade que anunciavam como iriam envelhecer. Foi o grau de satisfação que sentiam nas suas relações.
As pessoas que se sentiam mais satisfeitas com as suas relações, aos 50 anos, foram as mais felizes aos 80 anos. Bom, parece que as relações estreitas nos protegem de algumas dificuldades de envelhecer.
Os nossos homens e mulheres mais felizes disseram, aos 80 anos, que nos dias em que tinham mais dores físicas a sua disposição continuava feliz. Mas as pessoas que tinham relações infelizes, nos dias em que tinham mais dores físicas, isso era reforçado pelo sofrimento emocional."
(9:03)
"A terceira grande lição que aprendemos sobre as relações e a nossa saúde é que as bolas relações, para além de protegerem o corpo, protegem o cérebro. Acontece que ter uma relação bem estabelecida com outra pessoa, aos 80 anos, é protetora.
As pessoas que têm relações em que sentem que podem contar com outra pessoa em alturas de necessidade. a memória dessas pessoas mantém-se mais viva durante mais tempo. As pessoas com relações em que sentem que não podem contar com o outro, são as que experimentam um declínio de memória mais precoce.
As boas relações não têm que ser sempre fáceis. Alguns dos nossos octogenários podem discutir dia sim, dia não. Mas enquanto sentirem que podem contar um com o outro, quando as coisas aquecem, essas discussões não se fixam na memória."
Parece besteira, mas as nossas redes familiares e de amizades têm o poder de nos moldar, de nos desafiar, de nos fazer jogar bola às terças e, claro, de nos fazer continuar aprendendo. “Se você tem relações sociais que podem te estimular no aprendizado, compartilham com você o cuidado com o corpo e com os quais você pode fazer trocas de experiências, acontece a transformação do encontro”, diz Ana. “Todas essas são coisas que valem a pena ser vividas e isso não te envelhece. Isso te evolui”.
Para começar já o processo de “cuide-se agora para não resmungar depois”, recomendo também a leitura da coleção de textos “23 dias para um homem melhor, produzida por vários autores do GSS. E se você chamar um amigo para fazer com você, melhor ainda.
Afinal, uma vida boa constrói-se com boas relações.

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